Um primeiro fracasso para a União Europeia
Desde o início da pandemia COVID-19, a vacina surgiu como objeto de influência e negociação na geopolítica global. Tornou-se o objeto mais desejado a nível internacionalporque dele depende o retorno à "vida que tinham antes". Quanto mais cedo as populações forem vacinadas, mais cedo a imunidade de grupo será alcançada.
Assim, mais rápido poderá a economia recuperar e os cidadãos viver novamente sem restrições. Contudo, essa corrida para as vacinas apresenta novos desafios e marca o início de uma nova diplomacia da saúde global, na qual cada potência procura o seu lugar. Atualmente, a União Europeia está atrás nesta corrida.
Ao contrário dos Estados Unidos da América, a União Europeia não quis correr o risco de investir fortemente a partir da primavera de 2020 na procura de uma vacina. Agora enfrenta atrasos nas entregas, dependendo de outros países para sair da crise. A alergia europeia à cultura do risco está em questão. A UE é acusada de ter cometido um erro de precaução para não apressar opiniões desafiadoras. O princípio da precaução prevaleceu, em detrimento da audácia.Por enquanto, a Agência Europeia de Medicamentos autorizou vacinas desenvolvidas por Pfizer-BioNTech, Moderna, AstraZenaca e Janssen Pharmaceutica NV-SA. Após as autorizações, o desafio é a produção e as entregas. Para não reviver a situação catastrófica da primavera de 2020, quando os 27 lutavam por máscaras, ventiladores e álcool-gel, a Comissão Europeia lançou em junho de 2020 a iniciativa de agrupar pedidos de vacinas a nível da UE para evitar desigualdades que são perigosas para a coesão da União.
Acontece que esta coesão começa a rachar, uma vez que alguns países europeus estão a receber atualmente stocks de vacinas não só além dos pedidos agrupados da Comissão Europeia, mas também de vacinas não aprovadas pela Agência Europeia de Medicamentos. Por exemplo, este é o caso da Hungria, que recebeu vacinas russas e chinesas. Viktor Orban optou mesmo por uma vacina chinesa em vez da AstraZeneca ou da Pfizer-BioNTech enviadas à Hungria pela União Europeia. A Eslováquia e a República Checa também decidiram encomendar doses da vacina russa Sputnik V. Apesar da vontade da Comissão Europeia de agir coletivamente para proteger a unidade dos 27, a situação sanitária desesperante e as entregas demasiado lentas para ter consequências rápidas enfraquecem a cooperação europeia e fazem a UE parecer dividida.
De facto, as tensões acerca do fornecimento de vacinas multiplicaram-se desde os anúncios feitos pelos laboratórios acerca de atrasos nas entregas. A 27 de março de 2021, 3 meses após o começo da campanha de vacinação, iniciada em 27 de dezembro de 2020, apenas 10,7% da população da União Europeia havia recebido pelo menos uma dose da vacina. Thierry Breton, Comissário Europeu para o Mercado Interno, garante que a Europa pode alcançar imunidade coletiva até 14 de julho de 2021, graças ao aumento de entregas e administração de vacinas planeado para os próximos meses. Por enquanto, essa perspectiva ainda parece utópica e improvável de alcançar.
Além disso, no ano passado, as datas foram continuamente anunciadas às populações em relação a múltiplas restrições, o fim do confinamento, o início da imunidade coletiva. Tudo isso é uma ilustração de como a comunicação política é ainda mais delicada em tempos de pandemia. Nesse sentido, a estratégia de vacinação da União Europeia tem sido enfraquecida por dúvidas sobre a eficácia da vacina AstraZeneca, dúvidas alimentadas pelos próprios líderes. Por suspeitas de efeitos colaterais graves, Alemanha, Itália, França, Espanha e Portugal decidiram suspender esta vacina em meados de março do presente ano. Essa suspensão por precaução tem causado grande confusão junto da população, colocando em risco a campanha europeia de vacinação. De facto, esse episódio pode ter corrompido a confiança de alguns cidadãos nas vacinas, sendo que alguns estavam já receosos ou céticos. A 18 de março de 2021, a Agência Europeia de Medicamentos finalmente confirmou que a vacina era "segura e eficaz". Além disso, o laboratório anglo-sueco recebeu no posterior dia 26 de março autorização da EMA para alterar o nome comercial de sua vacina, que passará a se chamar Vaxzevria. No entanto, este tipo de reserva enfraquece a confiança dos cidadãos e põe em causa o sucesso da estratégia europeia.
Ao mesmo tempo, a busca desesperada para alcançar a imunidade de grupo a nível da UE não deve fazer perder de vista o facto de que a crise não terminará até que toda a população mundial tenha acesso às vacinas. O abastecimento dos países mais pobres é uma questão crucial na nova diplomacia global da saúde. Nesse sentido, um passo importante foi dado no passado dia 30 de março. Mais de 20 chefes de estado ou de governo, incluíndo António Costa e o diretor da OMS comprometeram-se coletivamente a participar num novo tratado internacional sobre preparação e resposta ao contexto de pandemia, com vista a implementar uma "estrutura mais forte para o setor internacional da saúde de modo a proteger as gerações futuras". O objetivo seria garantir que todos tenham um acesso justo e equitativo a vacinas e medicamentos. Na verdade, para questões relacionadas à saúde, a resposta só pode ser coletiva. O nosso destino é comum, e por isso todos temos grande interesse no sucesso coletivo. O seu sucesso é o nosso sucesso.
Mathilde Doublet